quarta-feira, 25 de abril de 2012


Cemitério da Vila Formosa divide espaço entre vivos e mortos

Busca por corpos enterrados clandestinamente na época da ditadura militar, leva o Ministério Público às escavações na área tida como parque para os moradores

Por Daniel Lopes e Leandro Medeiros



C
onsiderado o maior da América Latina com uma área de 763.175 m², o Cemitério da Vila Formosa, localizado na zona leste de São Paulo, ocupa a quarta maior área verde municipal da cidade. Fundado em 25 de agosto de 1949, a necrópole recebe em média 30 sepultamentos por dia, vindos de toda capital e também do interior paulista, e é principalmente utilizada pelas classes C, D e E.
Recentemente, o cemitério ganhou destaque na mídia, assim como o de Perus, devido as escavações autorizadas pelo Ministério Público para encontrar corpos da época da Ditadura Militar. O lugar serviu, na linguagem dos porões do regime, de local de “desova” a partir de 1969 e 1970 – primeiro período de repressão desenfreada após a promulgação do AI-5, que suspendeu as garantias individuais no País.
Juntamente com o Ministério Público estão peritos do Instituto Nacional de Criminalística, a Polícia Federal, profissionais da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e funcionários do Serviço Funerário do Município de São Paulo. Nailton Teles de Sousa, jardineiro do cemitério, conta que o trabalho começou no final do ano passado, e se concentra em torno da quadra 47, o provável local da onde aconteceram sepultamentos clandestinos. “Eles mexiam em documentos e depois partiam para as buscas. Os coveiros estão proibidos de abrir covas naquela área”, afirma.
O principal objetivo é achar os corpos dos militantes da organização chamada “Ação Libertadora Nacional” (ALN), uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro, que optou pela luta armada. Em setembro de 1969, Sérgio Roberto Corrêa e Virgílio Gomes da Silva foram supostamente enterrados como indigentes na Vila Formosa. Sob o codinome de Jonas, Virgílio foi um dos chefes do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick em setembro de 1969, mas que foi libertado em troca de 15 presos políticos, então banidos do País.

Parque Paulistano

Por possuir uma vasta área arborizada, com trilhas, ruas, jardins e estar próximo de vários bairros que são estritamente urbanos, o cemitério é muito utilizado para o lazer. Os paulistanos já fizeram do lugar um verdadeiro parque. É só dar uma volta em um sábado à tarde para encontrar pessoas aprendendo a dirigir ou andando de bicicleta. Fazer “cooper”, empinar pipas ou apenas cortar caminho pelo local já virou um “ethos” dos moradores.
Os meninos Aldeni, de apelido Cafú, Cezar, o Baianinho, Guilherme, o Cebola e o mudo e surdo Gabriel, o mudinho, empinam pipas todos os sábados e domingos por lá. “A gente prefere o cemitério, porque caem muitas pipas aqui, mas na semana nós ficamos lá na Horta, em outro bairro”, conta Cafú.
Baianinho diz que não tem medo do lugar, entretanto, sua mãe não o deixa ficar até escurecer. “Uma vez vi uma mulher invocando o diabo, e até me ofereceu balas”. O garoto conta que é normal ver homens vestidos com roupas pretas andando lá dentro, bebendo e fazendo rituais.
As atividades socioespaciais desenvolvidas no Cemitério de Vila Formosa mostram que o lugar não é só a “pousada final” de pessoas, e está mais vivo do que nunca. A moradora do bairro Sônia Regina Dantas anota que foi justamente lá que aprendeu a dirigir. “O local é muito gostoso para praticar. É tranquilo, calmo, com ruas asfaltadas, excelentes para quem está começando”. Sônia também vai todo domingo de manhã caminhar na área.

Rito e Trabalho

Celso Zechinatto, coveiro há 16 anos, levanta outra situação muito frequente no cemitério. O espaço é palco para prostituição, tráfico de drogas e rituais religiosos. “Depois que a polícia começou a fazer rondas noturnas aqui, realmente deu uma caída de pessoas que vem para fazer isso, mas alguns túmulos ainda são violados por gente que fazem cerimônias religiosas com caveiras”, revela.
Os períodos de maior movimentação do cemitério, de fato são as datas comemorativas, como o Dia das Mães, dos Pais e o dos Finados. Vendedores de flores e velas se aglomeram nas portas de entrada, querendo fazer dinheiro com o evento. No entanto, enquanto uns vendem, outros recolhem e também ganham o seu. Catadores de restos de parafina andam por toda a extensão dos 763.175 m² com suas sacolas coletando o que acham.
Esse trabalho informal é o ganha-pão de pelo menos sete catadores dessa necrópole, conforme a informação da Administração do cemitério. Valdir Ferreira, 46, há dois anos percorre a área em média uma hora por dia. O que consegue ajuntar, ele revende para uma fábrica de parafina, que o paga um real por um kilo, tirando por dia aproximadamente cinco reais. “Nasci no Ipiranga, mas me mudei para a Vila Formosa quando era moço. Isso que faço é um quebra-galho. Já fui pintor e servente de pedreiro, mas tive derrame aos 36 anos, o que me impossibilitou de continuar”, descreve.

Histórias e Lendas

O jardineiro Nailton lembra de uma história de grande repercussão ocorrida há muitos anos atrás. Uma menina chamada Débora ficou sob os cuidados de sua vizinha, uma amiga da sua mãe, e em um ritual de magia negra, a jovem foi morta e esquartejada. Enterrada no cemitério, o seu túmulo até hoje é procurado por pessoas que acreditam que ela seja uma santa.
Já a lenda urbana da Vila Formosa, conhecida no bairro e contada às crianças para ficarem com medo, narra a história de três amigos que apostaram uma corrida até a última parte do cemitério à meia-noite. O primeiro que chegasse seria o grande campeão. O caso é que todos estavam com medo, mas quando chegou a hora todos se prepararam e largaram.
 No final da corrida, chegaram apenas dois, porém, falta o último, e de repente ouve-se um grito. Com medo, os outros dois vão para casa e abandonam seu amigo. Quando já é dia, a polícia é chamada, e todos procuram o jovem até que o encontram. Ele está com a camisa presa em uma cruz. Os médicos deduzem que como a camisa dele ficou presa, o garoto deve ter levado um susto, achando que era um fantasma. O espanto foi tão grande que houve uma parada cardíaca. O menino foi enterrado e seus amigos ficaram arrependidos. As pessoas dizem que a meia-noite é possível ver o garoto correndo pela área.
O cemitério é dividido em duas secretarias (Formosa I e II). Possue 130 jardineiros e aproximadamente 60 coveiros, mais auxiliares de limpeza e funcionários da Administração. Localizado na Avenida João XXIII, no bairro de Vila Formosa, zona leste de São Paulo, ele funciona das 6h às 18h.

Nenhum comentário:

Postar um comentário